Não sei se hei-de começar pelas velhas memórias de infância, se pelas actuais situações.
Não sei qual delas doem mais, mas sei que ambas, juntas, causam uma dor pouco fácil de suportar.
Não me lembra uma vez sequer em que te pudesse chamar o nome que supostamente te deveria chamar. Todas as recordações que até hoje guardo tuas, são frias e egoistas. São atitudes nada próprias de uma suposta referencia que todas as crianças deviam ter.
Lembro-me que ter-te é como não te ter, falar para ti é como não falar. Aquelas paredes pelas quais passamos todos os dias, e não nos dizem nada, assemelham-se em muito a ti.
Mais que todas as discussões a que tive que assistir, mais que a todas as injustiças que reinam em ti, mais que toda a ingratidão que tens para connosco, sobretudo com a tua mulher, o que dói mais é olhar para ti e pensar que não, não és pai nem nunca soubeste ser.
Em pequena as coisas passavam-me à frente dos olhos e tudo o que mais me marcava eram apenas as discussões a que tinha que assistir, as pequenas coisas, os pequenos pormenores passavam-me completamente ao lado. Mas agora, agora cresci. Embora não tenhas dado por isso, eu cresci. E ao juntar cada momento, cada recordação percebi que não, não es pai nem nunca soubeste ser. Eu desfolhava aqui cada página do livro da minha vida, e contava cada pormenor que contado ninguem acredita sequer. Eu envergonhava-te já. Mas não, não ha tempo, paciencia, nem caracteres aqui que cheguem para contar tudo o que me repugna em ti.
A maneira como as coisas te são ditas e tu não queres saber, nem te interessa melhorar. Ultimamente, tens sido o principal assunto. As tuas atitudes, são aquilo de que mais ouço falar. E sabes o que é horrivel? É que duas filhas não se sintam bem, nem àvontade na presença de um pai. Como se ele fosse um novo padrasto ao qual ainda não nos habituámos, como se ele fosse um estranho. E ao fim ao cabo até és. Um estranho. Um estranho não me falaria, não teria um gesto de amor para comigo, não me ligaria nenhuma, não nutriria nenhum sentimento por mim, não saberia nada sobre mim. E é mesmo isso que és para mim.
Sim, estou a comparar o meu pai a um estranho. É bonito não é? É bonito sentires toda a tua raiva a surgir simplesmente porque ouves a chave a rodar na porta e o teu próprio pai entrar. É bonito refugiares-te no quarto, para não teres que olhar sequer para ele, para não te descontrolares, ou não ficares deprimida demais. Mas mais bonito ainda é um pai, que discute com a mãe e vinga-se nas filhas. Bonito e irónico, de facto. Um pai que se vinga nas proprias filhas. As filhas estão sempre do lado da mãe e com a mãe. As filhas fazem tudo com a mãe. E porquê? Porque felizmente a mãe, sabe ser mãe. Porque a MINHA mãe conhece cada gesto meu, cada expressão, cada olhar, a MINHA mãe sabe o que estou a sentir, sabe o que estou a pensar. A MINHA mãe sabe imenso sobre mim, conhece-me. A MINHA mãe faz tudo o que pode e não pode por mim, fala comigo, ajuda-me, preocupa-se, ensina-me. A MINHA mãe, é a melhor mãe do mundo, ela é mãe e pai, ela dá tudo o que tem e não tem por mim. A MINHA mãe ja passou muito e é uma força da natureza, a minha mãe é a minha heroina, é o meu exemplo. E tu, tu continuas a ser o estranho, o enfeite cá de casa, a criatura que está sempre no sofá e não vê mais nada a não ser televisão. Tu continuas a trocar as tuas saidas com os teus amigos e os teus momentos no sofá, pelas tuas proprias filhas. E o que mais dói tambem, é que não o fazes por falta de aviso, e nem sequer te importas se estás a magoar a tua propria familia ou não.
Nunca em mil anos que viva vou esquecer como compraste a minha irmã e me rejeitas-te totalmente, quando te deu jeito. Que não me venham com coisas, que apesar de tudo és meu pai e gostas de mim. Mas eu não sei, eu já não sei. Não ha nada no teu comportamento que demonstre que me amas. E se sou hoje como sou e se estou aqui onde e como estou, devo-o à MINHA mãe. Que apesar das injustiças a que é constantemente submetida, sempre nos tentou aproximar de ti, sempre te avisou que ias acabar sozinho se continuasses assim. Tu continuaste e agora, estás sempre sozinho, ninguem aqui conversa contigo, ninguem aqui te pergunta alguma coisa, toda a gente aqui te dá um beijo com desprezo quando chegas do trabalho, porque é habito e tem de ser. Porque é o unico gesto, o unico que temos um com o outro, que por mim acabava.
Nem vou sequer falar das tuas saídas sem dar qualquer justificação e os dias que chegas a vir a casa só para comer e dormir, nem vou comentar o teu machismo e as tuas ironias estupidas, que so podiam vir de alguém como tu. Eu sei que te começas a sentir sozinho e infeliz, eu sei. E sabes o melhor? Bem feita. É so o que tenho a dizer. A MINHA mãe sempre me disse que quem semeia ventos colhe tempestades, foi o que aconteceu. Agora nós três sofremos com as tuas atitudes, mas eu acredito que a felicidade aínda virá ter connosco, enquanto estiveres completamente no "buraco".
Eu tenho um homem, em minha casa, que dizem que é meu pai porque me ajudou a nascer. Mas eu olho à minha volta e não vejo um pai, vejo um estranho ali sentado, como todos os dias.
Não tenho qualquer prazer em escrever isto, nada do que aqui está em relação a ti me dá orgulho. E não tenho problemas nenhuns em dizer que te odeio quando já me deste e ainda dás, todas as razoes para isso.
Esta é uma carta para ti, aquela que nunca escrevi, nem teria coragem de ta entregar.
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